domingo, 22 de maio de 2011

"E o significado maior, no futebol, como na vida, é a descoberta de que a bola corre mais que os homens."

Com o título acima, do grande antropólogo brasileiro reconhecido internacionalmente, Roberto DaMatta, aproveito o momento de início de Campeonato Brasileiro/2011 para postar aqui no blog uma breve crônica dele que se encontra no livro "A bola corre mais que os homens", que traz treze crônicas e três interessantes ensaios sobre futebol e a cultura brasileira.



As crônicas falam de Brasil e Copa do mundo, mas podemos fazer o exercício de pensar no futebol em geral.
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Numa competição tão apaixonante como uma Copa do Mundo, é interessante observar o papel das torcidas. Se a torcida é um elemento típico do modo mágico que continua associado ao futebol, ela por outro lado representa a sociedade do time que a engloba e representa.



Neste sentido, vale anotar as imagens de si mesmo que o Brasil projeta nos meios de comunicação de massa, pois tais imagens são auto-representações reveladoras de nossa identidade como povo, sociedade e nação. Vendo-as, logo se atinta com a recorrência de alguns temas, como se seus autores tivessem estudado as representações que os velhos livros e intérpretes da nossa sociedade - gente como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Thales de Azevedo, Jorge Amado e outros - já haviam apresentado e discutido.


O que se assiste, pois, é a um desfile de cenários que nos apresentam como alegres, festivos, amantes da comida (feijoada), da bebida leve e supostamente inteligente (cerveja), da boa vida como um povo permanentemente cercado por uma paisagem belíssima. Nessas peças, somos uma sociedade capaz de, como nenhuma outra, conjugar o lado cívido e moderno do mundo (representado pela bandeira nacional) com a dimensão cultural que nos revela como alegres e capazes de malandramente viver em cima daquela linha tênue que separa o certo do errado.


Dir-se-ia que tudo isso é invenção dos mestres da publicidade e dos velhos estudiosos do Brasil. Mas o fato é que tais imagens são profundas e apresentam um texto - um conjunto de normas pelas quais se pode ser (ou não ser) brasileiro. Pelo menos no que diz respeito aos modos de apreciar e viver o futebol. Isso é tão verdadeiro, que a nossa moderníssima e cosmopolita toricda nos Estados Unidos tende a se comportar de acordo com essas velhas imagens, ampliando-as e tornando-as reais.


Não é de admirar, portanto, que uma das figuras mais reveladoras do nosso comportamento seja a da sedução da autoridade. Prova isso a chamada "confraternização" do torcedor brasileiro com a autoridade, nas imagens inesquecíveis dos policiais americanos cercados de torcedores alegres e irreverentes que os abraçam (tocar o peito de um policial é tabu para os americanos) e os envolvem com a bandeira de nosso país, fazendo-os gingar ao ritmo do nosso batuque. Confraternização ou um modo malandro de pôr, como fazemos aqui, a autoridade do nosso lado pela simpatia e pela velha sedução?


É que na América, os policiais não sabem que a bola corre mais que os homens...


DA MATTA, Roberto. 21. In: _____. A bola corre mais que os homens. Rio de Janeiro: Rocco, p.62-3, 2006.

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Acompanhemos, pois, essa "bola correndo" a partir de agora... neste movimento, podemos observar alguns elementos daquilo que nos constitui e daquilo que somos, pelo bem, pelo mal, enquanto nação.

Um comentário:

Sergio Dorenski disse...

Bela Postagem Cris. infelizmente, no meu ponto de vista, aqui no Brasil a força provocada pela paixão - futebol, ultrapassa limites. Concordo com DA Matta, mas, também este mesmo alucinante esporte (seus agentes - jogadores e outros...) também provoca outras babáries, é caso do Bruno...não estranhe algum time contratá-lo e ainda, ser ovacionado pela torcida deste time. Especificamente na Copa do Mundo, há outros elementos/valores que nos espantam...para resumir: a torcida é outra...verás aqui no Brasil, quem vai poder pagar para está nos Estádios...conheço várias pessoas, que nem gosta de futebol e nem acompanham, mas adora fazer o Tur durante a Copa...são só reflexões...