quinta-feira, 5 de março de 2015

Sniper Americano!

Com o reinício do ano letivo aqui pelas bandas de Curitiba, na UFPR, voltam também os planos e metas anuais a serem colocados em prática e, de preferência, cumpridos. Este que inicio aqui é um desses que me prometi e vou tentar cumprir. Escrever um breve texto informal refletindo questões sobre os filmes que costumo assistir semanalmente na tela do acanhado cinema da antiga estação ferroviária de Curitiba, hoje Shopping Estação.

Lá vai o primeiro! Espero eu, o primeiro de muitos!

Ontem saí de casa para assistir o tão falado, requisitado e indicado ao Oscar em seis categorias, sendo vencedor em uma (Melhor Edição de Som), Sniper Americano. O filme é uma adaptação cinematográfica baseada na autobiografia, American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History, do atirador de elite americano, Chris Kyle.



A produção é mais uma hollywoodiana da Warner Bros com todas as características dos tradicionais filmes de ação e guerra que já se viu nas telas de cinema. O incremento de ser baseado em fatos reais (contados por Chris na sua autobiografia) traz uma carga emocional que prende o espectador de maneira tensa às mais de 2 horas do filme, do mesmo modo que "A hora mais escura", também indicado ao Oscar no ano anterior e que segue a mesma linha desse de 2015.

Entretanto, além de ser um bom filme mesmo sendo mais um chavão hollywoodiano, há três pontos que queria colocar em reflexão para os que já assistiram e aos que ainda vão assistir:

1º - O patriotismo heróico do norte americano: o enredo do filme reproduz de ponta a ponta o tradicional discurso patriótico que permeia os filmes de ação e guerra dos ianques. Ao ver as cenas de terror de 11 de setembro de 2001, Chris Kyle, que até então vivia o sonho de caubói no Texas com o irmão mais novo, é tocado pela tragédia de Nova Iorque e decide, de imediato, se alistar para os fuzileiros navais da marinha. Por ser um bom atirador, criado para caçar animais no Texas, Chris entra para o time de sniper´s e vai para o Iraque lutar contra Bin Laden e a Al Qaeda. Após alguns turnos em guerra, absorvendo o discurso de acabar com o Terror e com aqueles que querem, simplesmente, matar os americanos, sem nem mesmo refletir sobre quais as reais justificativas que os levavam até aquele território que possui outra cultura, outra doutrina religiosa e outras crenças, Kyle passa a ser reconhecido entre os colegas militares e em todo os EUA como A Lenda, por ser responsável por mais de 150 mortes (entre eles, homens, mulheres e crianças), sendo oficialmente condecorado como o atirador mais eficiente da história militar americana. Diante disso, nos perguntemos até onde vai a reprodução desse discurso patriótico dos norte americanos nos seus filmes, apoiando o extermínio de milhares de pessoas no oriente médio há mais de 10 anos? Um discurso político e ideológico de sangue frio, mas que, nas entrelinhas do enredo do filme, demonstra o quão impactante essa prática bélica é para o psicológico e para a reinserção social dos militares combatentes que voltam para o seu país. Coisas que normalmente pouco se fala.

2º - Onde fica o humanismo dessa história?: pela trama do filme, enquanto se preparava no curso dos Seal´s (fuzileiros navais), Kyle conhece uma bela moça que mais a frente virá a ser a sua esposa e mãe dos seus filhos. É Taya Kyle, a coadjuvante do filme que sofre durante as idas e vindas da Lenda pelos quatro turnos, mais de 1000 dias, que ele combateu no território iraquiano. Ela é a responsável por tensionar a frieza sanguinária com o calor humano desprendido de Chris Kyle que ficou pelo meio do caminho na obsessão pela salvação dos colegas combatentes. Os instantes que Taya aparece em cena é sempre para apelar pelos valores da família, como o amor, o afeto, a paternidade, o matrimônio, entre outros, que o sniper abdica sem pensar pelos princípios patrióticos de lutar até o fim. O chamado da sua esposa para retornar ao seu estado humano é colocado a todo momento em contraponto ao pensamento e movimento mecânico de exterminar com os terroristas, apertando, quantas vezes fosse preciso, o gatilho do potente rifle. Nem mesmo o nascimento do seu filho e da sua filha entre um turno e outro de guerra esfriou com os brios do militar. Entretanto, já após a primeira volta para casa, Kyle demonstrava perturbações psicológicas com as marcas e lembranças permanentes que os casos e acasos de guerra tinham lhe deixado, sobretudo, o fato de ter que matar uma mulher e uma criança muçulmanas por serem uma ameaça ao exército americano. Assim, esperemos quando virá a tona a discussão sobre o fator humanitário que circunda tanto aqueles que são atacados, os muçulmanos, como aqueles que atacam, os militares que são mandados para a guerra e voltam mutilados ou afetados psicologicamente?

3º - Onde estão os reais inimigos do terror e da guerra: apesar do filme não ter esse objetivo, o fato é que, assim como no noticiário sobre o assunto, ele nem sequer pondera, em momento algum, quem são os verdadeiros inimigos/culpados e quais os interesses reais pelo terror e pela guerra do Iraque. Quando retrata o sentimento patriótico que toma os combatentes que vão ao oriente médio guerrear, assim como quando problematiza a dimensão humanitária que cerceia os mesmos, o enredo do filme obscurece possíveis ponderações e problematizações acerca dos interesses e dos personagens que compõem essa história da guerra contra o terror no Iraque e em todo o oriente médio. Seria esse um bom momento para incluir questões como essas na trama, pois parece que os atentados e a polêmica insurgente há alguns meses em Paris já foi jogada para debaixo dos tapetes e colocada na pauta secreta de ataque da União Européia e da ONU. No fim, após sobreviver a riscos e tiros nos quatro turnos de combate que enfrentou, Kyle supera os distúrbios psicóticos de ser A Lenda militar americana ajudando veteranos de guerra nos EUA. Porém, após batalhar e matar tantos pelos seus pares de pátria, ele acaba morto tragicamente por um deles em uma das suas saídas solidárias cotidianas. O sniper é velado e enterrado com pompa de herói pelos norte americanos. Destarte, pensemos: quem é o inimigo? O Terror muçulmano ou os próprios pares americanos que o vangloriou como herói por ter exterminado mais de 200 pessoas, segundo números extra oficiais?

São angústias de um estudante de pós-graduação em Educação Física que vem prezando na sua trajetória acadêmica e profissional por princípios humanitários antes de tudo. Podem até não ter sentido algum e serem devaneios ingênuos, mas são esforços de reflexão racional que tentam se desprender do encanto emocional e estético que a sétima arte provoca, principalmente quando expressada dentro da sala escura, sem a interferência dos mediadores tecnológicos que nos assombram a todo instante no dia a dia.

Pronto para o combate, mesmo que um tanto contraditório,

Abraço,

Até o próximo,

Silvan Menezes.

4 comentários:

Giovani Pires disse...

Contraditória é a situação em que tu me colocaste, Silvan.
Em principio, eu jamais iria assistir esse filme ("mais do mesmo") sobre um herói americano, que mata trocentos, etc.
Mas os teus comentários e provocações estão me empurrando no sentido contrário.
Não te garanto que vá ver, mas se for, depois te conto as minhas impressões (e imprecisões).
Por enquanto, receba meus cumprimentos pela iniciativa de compartilhar aqui as tuas considerações sobre filmes que vês, em última análise, compartilhar esse aspecto da tua formação cultural.
Abraço.

Cristiano Mezzaroba disse...

Bam,
excelente iniciativa! ficam aqui meus parabéns!

Li e ouvi falar do "Sniper", pelas mesmas razões do Gio, pensei em não ir. Mas sendo filme do Clint Estwood, no mínimo, paga-se a entrada pra ver!

Preferi ver antes desse o documentário de Cássia Eller (excelente, mostra seu legado não só artístico, mas também social) e o "Teoria de Tudo", impressionante a atuação do ator que refaz a biografia do Hawkings.

Assim que ver Sniper, volto aqui pra dialogar contigo!

Blog CicloPoiesis disse...

Parabéns pela reflexão, Silvan, também assisti o filme e confesso que dei mais risadas do que Clint Eastwood esperava. Na verdade insisti para ver o filme até o final porque esperava um ponto de virada na narrativa, mas ele não acontece. A história se repete não apenas aqui no Brasil, esse tipo de propaganda política bélica é tão tosco que eu nem acredito seja real. Em 2009 vi Bastardos Inglórios dirigido por Tarantino. Ironicamente um dos personagens do filme é um soldado nazista, um sniper, considerado um herói por Hitler e seus seguidores. Goebbels seu ministro da propaganda resolve fazer um filme sobre o herói que matou centenas na segunda guerra. Ficção mais real do que a realidade e ainda por cima Leni Riefensthal é citada mais de uma vez no filme. Em síntese, chegamos ao ponto em que filmes de propaganda política, como American Sniper (2014), são produzidos sem vínculo explicito com o governo, pois a produção é da Warner Bros. O filme já lucrou mais U$ 400 milhões em bilheteria, ou seja, milhões de pessoas ouviram o "herói-Homer" chamando os iraquianos de selvagens! Se é para seguir a lei do olho por olho, como o filme propõe, selvagem é este filme e todos envolvidos nesta produção estúpida e vazia. Se quiserem assistir um bom filme de guerra, não percam tempo com American Siniper (2014), vejam de novo Full Metal Jacket (1987) dirigido por Stanley Kubrick.

Sergio Dorenski disse...

Valeu Silvan, é isso, às vezes em nosso silêncio ensurdecedor de estar fora de nossas tradições culturais e ao mesmo tempo, fazendo as atividades acadêmicas, encontramos espaço para reflexão, ou melhor, para auto reflexão crítica - a lá Adorno - Lembro-me no Campeche que ia para beira mar ver os pescadores puxar a rede com as tainhas, ou mesmo, ficar só olhando a praia...nessas idas e vindas muitas coisa pairava sobre meu pensar..., sobre a sociedade, as relações de capital e trabalho; a exploração do homem pelo homem; a covardia, a arrogância acadêmica etc,... e percebia que existia muita coisa mais importante...
Onde estão os culpados?..., acho que em toda parte, mas, você expõe uma questão importante no processo para o esclarecimento: entender a causa (causal), desmistificar para conhecer, isso é importante..., um exercício bom, nessa relação com a mídia, foi realizado por Michael Moore em seus polêmicos filmes...
abração e continue humano