domingo, 9 de março de 2014

O racismo como “habitus”, por Marcos Rolim (Jornalista)

Colegas do blog,
Compartilhando aqui no blog um texto interessante de Marcos Rolim, publicado em Zero Hora!
O esporte sempre mostrando possibilidades para percebermos melhor quem somos nós!
Boa leitura e na esperança de dias melhores...


09 de março de 2014 | N° 17727

ARTIGOS

O racismo como “habitus”, por Marcos Rolim*

Na época da ditadura militar, foi ensinado nas escolas que o Brasil era a maior democracia racial do mundo. A ideologia havia sido formada antes, em outra ditadura, no Estado Novo, já sob o impacto da II Guerra e do nazifascismo. A ideia de que não havia racismo no Brasil era, assim, funcional para projetar nossa imagem em um cenário internacional onde os desdobramentos do racismo e do ódio haviam se tornado evidentes. Os defensores do mito da democracia racial brasileira buscaram argumentos na obra de Gilberto Freyre, talvez o mais influente e prestigiado intelectual em toda nossa história. Tanto quando compreendo Casa Grande & Senzala, não se pode atribuir esta noção a Freyre, embora se saiba que ele próprio a legitimou quando, para infortúnio de sua biografia, apoiou o golpe de 64, denunciou subversivos e manteve cordial relação com os militares. A miscigenação é uma das nossas mais importantes características como nação e parece verdadeiro afirmar que o ódio racial não encontrou entre nós espaços para fenômenos como a Ku Klux Klan ou movimentos de supremacia branca. Não há a menor dúvida, entretanto, que o Brasil é um país racista.

A dificuldade em reconhecer o racismo como um problema central no Brasil deriva do fato de que o tipo de preconceito racial prevalecente em nossa cultura foi recalcado. Todos sabem que o racismo é a expressão de um mal e não há quem sustente sua prática. Entretanto, sempre que brancos ofendem negros, o tema da cor e da etnia emerge em sua linguagem assassina.

Bourdieu explicaria esse tema com o conceito de “habitus”. Para ele, carregamos um sistema de disposições duráveis e, em larga medida, inconscientes, que nos oferece uma matriz de percepções. O processo diz respeito à dinâmica pela qual a sociedade se deposita nos indivíduos – ainda que eles disso não tenham notícia. O resultado é um “filtro” que condiciona nosso olhar sobre o mundo e nossas respostas. No Brasil, temos um “habitus” racista, resultado de três séculos de escravidão. Quando torcedores chamam jogadores e juízes de “macacos”, quando imitam os símios e jogam bananas para os negros, estamos diante de uma matriz histórica pela qual nos identificamos com os capitães do mato e com os feitores. Se perguntados, os agressores não irão se declarar “racistas”. Talvez até acreditem mesmo que não o são e que as ofensas praticadas no estádio de futebol se justifiquem pelo “contexto”.

O contexto verdadeiro, entretanto, é o da vergonha, razão pela qual a postura de pessoas como o árbitro Márcio Chagas e como os jogadores Tinga e Arouca, para citar apenas três vítimas do racismo, deve ser amplamente elogiada. Eles vieram a público para denunciar a imbecilidade e exigir o respeito que todos merecem. Estão com toda a razão. Se aceitarmos esse tipo de prática, o Brasil corre o risco de ser governado por gente como o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP) e, então, será tarde demais para quilombolas, índios e homossexuais. A propósito, li que haverá atos “em desagravo” ao deputado. Sugiro Wagner na trilha sonora e marchas com passo de ganso.
*Jornalista
 
http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4440326.xml&template=3898.dwt&edition=23874&section=1012

Um comentário:

Sergio Dorenski disse...

Belo texto Cris. Nosso país é recheado de racismo em todas as partes, em todos os cantos e em todos os contextos. Um pequeno exercício de reflexão percebemos a discriminação na cor, na pele, na opção sexual, na sua região, principalmente, nordestinos...,
um país que esconde seu racismo, acredito só numa outra geração para, aos poucos, ir rompendo com isto, mas, enquanto isto não acontece que a lei seja dura, inegociável...