Colegas do blog,
compartilho aqui um pequeno e interessante texto da cronista do Zero Hora, Cláudia Laitano, já que estamos às vésperas da Copa do Mundo... a "nossa" Copa!
boa leitura e boas reflexões!
QUE BONITO É - Cláudia Laitano (31 de maio de 2014)
Dois argumentos a favor da paixão pelo futebol sempre comoveram este
mole coração ateu. O primeiro é aquele da memória de infância, do guri
levado pela primeira vez ao estádio pelo pai e que aprende a associar a
paixão pelo clube àquela experiência original de afeto e inserção
familiar. O segundo é o da utopia de um repertório afetivo comum a ricos
e pobres, intelectuais e analfabetos, jovens e velhos. O futebol como
um Google Tradutor instantâneo de afinidades esteja você na Ucrânia, na
África ou no interior do Ceará, seja você operário ou patrão. Que bonito
é.
É possível que o futebol como legado de pais para filhos
nunca tenha sido tão importante quanto nos dias de hoje. São escassos os
patrimônios simbólicos suficientemente estáveis a ponto de criarem a
percepção de que podem sobreviver de uma geração para a outra. Valores
morais, convicções políticas ou religiosas e tradições familiares
tornaram-se fluidas e cambiantes. O time de coração, por sua vez, ainda
sugere permanência, passagem de bastão, afirmação de identidade. Não é
de se espantar que os pais se apressem a pendurar a camiseta do clube na
porta do quarto da maternidade. Não haveria muitos outros símbolos para
exibir ali com tanta convicção.
A fantasia de que a paixão pelo
futebol permanece acima da divisão de classes, por sua vez, anda cada
vez mais difícil de ser sustentada no mundo real das arenas padrão Fifa.
Em sua palestra no Fronteiras do Pensamento na última segunda-feira, o
americano Michael Sandel, professor de ética em Harvard, lembrou o tempo
em que a diferença de preços dos ingressos nos estádios de beisebol não
passava de US$ 3. O patrão e o empregado sentavam lado a lado,
enfrentavam a mesma fila nos banheiros e comiam o mesmo cachorro-quente
gordurento. Nos últimos 30 anos, observa Sandel, lá como aqui, os
estádios passaram a reproduzir a lógica do apartheid social de escolas,
shoppings, hospitais, parques. Ricos para um lado, pobres (se chegarem
lá) para o outro. A falta de espaços de convivência entre pessoas de
diferentes origens e perfis, sustenta o filósofo, estaria corroendo um
dos fundamentos da democracia: a percepção de que, mesmo que alguns
cheguem ao estádio de ônibus e outros de carro importado, todos fazem
parte da mesma torcida/nação – e se reconhecem uns aos outros.
É
possível que a divisão dos brasileiros em relação a esta histórica Copa
do Mundo, embretados entre a paixão nacional e a indignação com tudo o
que não dá certo no país, esteja refletindo não apenas a crise de um
sistema que favorece a descrença na representação política, mas também,
em alguma medida, a nostalgia dos tempos em que o estádio de futebol era
o último espaço onde ainda era possível sonhar com um país um pouco
menos desigual e cindido.
Que bonito era.
Blog do Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva (UFSC/UFS/UFSJ)
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