sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Renato Janine Ribeiro - Perder

Pessoal aqui do blog,
Li esse texto de Renato Janine Ribeiro, no Zero Hora do último domingo, dia 02/11, e compartilho ele com vocês. Penso que é um texto que faz a gente pensar na lógica contemporânea, que vale para nosso cotidiano, mas vale, também, para aqueles que querem se aventurar a tratar, em suas aulas de Educação Física, do esporte e suas consequências e possibilidades, num viés humanista.
Boa leitura e boas reflexões!

02 de novembro de 2014 | N° 17971

RENATO JANINE RIBEIRO

  • Perder

    Não sei se, domingo passado, muitos leitores se sentiram derrotados porque seu candidato perdeu. Afinal, quase metade do Rio Grande do Sul votou em Dilma e três quintos, no governador eleito. Provavelmente a grande maioria ganhou (deveria colocar o verbo entre aspas?) em pelo menos uma das duas votações. Mas a derrota, mesmo numa só, pode ser amarga.

    E é sobre esta experiência da derrota numa eleição, ou da perda de algo ou alguém precioso, que quero falar. Viver é continuamente perder. Mas fomos educados – ou deseducados, nesta sociedade de consumo em que tudo é medido pelas conquistas, e estas pelo prazer que proporcionam – a só querer vencer. Em inglês, um dos piores insultos é chamar você de loser, perdedor. Vivemos a ilusão de uma vida feita só de sucessos.

    Antigamente, o melhor êxito era a honra. Na Roma antiga, uma trajetória de sucesso se chamava corrida das honras, cursus honorum, com um homem assumindo gradualmente os cargos mais importantes da República. Era uma república aristocrática e, além disso, intensamente machista. Mas a ambição de êxito tinha uma salvaguarda: quem compete pode perder. Perder não é desonroso – desde que se dê com honra, isto é, que a pessoa mostre que valoriza mais seu nome, seu renome, do que a própria vida. As culturas antigas tinham um lugar para o herói, aquele que perde com glória.

    Uma grande mudança vem com o mundo do consumo. Seu êxito não é mais medido pelas honras, e sim pelo que você conquista em bens com data de validade. A honra antiga se perpetuava. Uma casa romana tinha as máscaras mortuárias dos antepassados ilustres. Quanto mais máscaras, mais respeitada. Hoje, celebramos o descartável. Meu valor está nos bens efêmeros. Mesmo os bens de consumo duráveis, como uma geladeira ou um carro, mais nobre do que o iogurtinho do pobre, vão durar apenas alguns anos a mais do que este. Só a casa, o imóvel, é duradoura. Todo o restante vale porque morre. E quanto mais rápido eu substituir esses objetos, melhor. Trocar de carro todo ano é símbolo desse sucesso. Quem não o troca é um perdedor na corrida do consumo. Não há lugar honroso para quem não consome.

    Como fica, então, perder? Os romanos e mesmo os guerreiros do século 19, como Napoleão, chamavam de herói quem perdia, desde que corajosamente. Nós, porém, tendemos a depreciar o derrotado. Mas com isso depreciamos a nós mesmos. Porque perdemos o tempo todo. Quando mais não seja, os minutos que se escoam ao longo da vida. Por isso, é tão importante aprender a perder.

    Isso, a respeito da eleição (boa parte dos gaúchos deve ter perdido, pelo menos, uma eleição, no último domingo). Mas também a propósito de Elizabeth Bishop, cuja vida aparece no belo filme Flores Raras, e que escreveu que “a arte de perder não é um mistério”. E que podemos treinar para tanto. Perdendo um dia uma chave, outro dia um livro numa praça, para depois poder suportar a perda de um amor, de uma cidade, de uma eleição – enfim, do que para cada um importe.

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