quarta-feira, 25 de julho de 2012

Notas sobre a transmissão dos Jogos Olímpicos 1 - O semi silêncio da Rede Globo em tempos de notícia mercadoria


“Se para bom entendedor, meia palavra basta", é melhor ficar calado.



Na Rede Globo, emissora considerada a segunda maior rede de TV comercial do mundo, não houve contagem regressiva. A peregrinação da tocha, grande evento propagandístico a circular pelo mundo, foi ignorada neste ciclo olímpico (sim, ela rodou novamente o mundo: até o próximo dia 27 de julho, terá passado pela mão de 8000 pessoas durante 70 dias de percurso).

A dois dias da sua abertura oficial, os Jogos Olímpicos de Londres 2012 (JO 2012) começam hoje, com o início do torneio de futebol feminino e o primeiro jogo da seleção brasileira que tem em Marta, 5 vezes eleita a melhor jogadora do mundo na modalidade, seu principal ícone. Ainda assim, o megaevento esportivo passou despercebido no primeiro telejornal de cobertura nacional da grade diária da Rede Globo, o Bom Dia Brasil.

Um importante foco para análises decorre do fato da Rede Globo ter perdido a disputa pela aquisição dos direitos dos JO 2012 para a rival Rede Record, única emissora aberta de televisão que transmitirá o evento no Brasil. A disputa entre as redes não é nova e envolve, para além dos altos investimentos concentrados sobretudo no tripé esportes, jornalismo e telenovelas, sérias acusações mútuas (1). De um lado, a Record acusa a Globo de práticas que mantém um oligopólio sobre o setor e de relações ilícitas com a CBF e dirigentes de clubes de futebol brasileiros. Do outro, a Globo há tempos denuncia o financiamento da Record via Igreja Universal do Reino de Deus, ação que teria possibilitado a compra dos direitos de transmissão dos JO 2012 por cerca de 60 milhões de reais, dobro do valor de mercado inicialmente previsto para a negociação.

Teremos nas próximas semanas um privilegiado campo para observar, no âmbito da mídia esportiva, como se comportam a produção e veiculação da informação. Diante deste panorama de disputas comerciais que giram em torno de um dos maiores eventos esportivos e, consequentemente, econômicos do mundo, está em pauta a discussão da função pública do jornalismo, sua tão cara – e ao mesmo tempo frágil – relação com a objetividade, a imparcialidade, a relevância social (2).

Ao reagir à perda dos direitos de transmissão dos JO 2012 com um semi silêncio que parece visar diminuir a importância do megaevento nos seus telejornais, a Rede Globo explicita o que há muito já se sabe: para as redes privadas de comunicação, jornalismo não é serviço público, notícia é produto vendível, mercadoria. É seguindo essa mesma lógica que os noticiários esportivos se aproximam cada vez mais de uma formatação espetacularizada. No meio da suposta conexão que deveria existir entre realidade social e realidade midiática, estão escancarados critérios de noticiabilidade que envolvem potenciais de vendas e disputas comerciais. E viva a indústria do entretenimento*.

* No dia em que começam os Jogos Olímpicos de Londres 2012, o destaque esportivo do Bom Dia Brasil foi o Tospericargerja, homem que recebeu o nome exótico em homenagem aos ídolos da Copa do Mundo de Futebol de 1970... 

(1) Sobre as disputas pelos direitos de transmissão entre Globo e Record, ver o texto "Disputa inflaciona mercado de direitos de transmissão", de Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos, publicado no site do Observatório da Imprensa.

(2) Sobre a função pública do jornalista, ver o artigo "A função pública do jornalista: da imparcialidade à coesão social", de Mariano Ure, publicado na Revista Estudos em Jornalismo e Mídia.





4 comentários:

Paula A disse...

Belo post Rogério, ao ler o texto lembrei de uma matéria vista de relance na internet, sobre a cobertura de Campeonato de Sumô e competição de Skate no Globo Esporte de terça. Isso, para não falar de Londres. Me atrevo a complementar "Pra não dizer que não falei de esporte, cubro justamente modalidades que não são olímpicas" eis a Globo. Incrível, é uma quase mudez, mas bem registrada por jornalistas em geral e internautas que estão acompanhando a "atitude
de empresa pequena da Globo", como descreve um internauta em seu comentário sobre a falta de notícias sobre as Olimpiadas na Rede. Continuemos...os jogos estão à porta...

Paula A disse...

E a quebra do silencio se faz no início da tarde desta quarta-feira (25), Tiago Leifert informou aos espectadores do "Globo Esporte", em São Paulo, que a emissora não detém os direitos de transmissão dos Jogos, mas que não deixará de noticiar o que for importante. Pois é Rogério, agora sem meias palavras ou semi silencio, senão quem cala consente e aí a consciência fica pesada. Mas será mesmo?

Cristiano Mezzaroba disse...

Rogério, legal voltar a ver tuas interessantes postagens aqui... ainda mais nesta época de Olimpíadas!
É triste ver a Globo agindo desse jeito. Me lembro de, ainda bem criança, com seis anos, em 1984 (Los Angeles) e depois em 1988 (Seul), assistir aos jogos das olimpíadas ao lado de minha mãe... aprendi a acompanhar vôlei assim. Agora há pouco, assistindo tevê ao lado dela, vi uma reportagem na internet e comentei "poxa, começaram as Olimpíadas... e o Brasil já ganhou por 5 x 0 no futebol feminino". Minha mãe me olhou e disse: "Meu Deus...já Olimpíadas? nem sabia" - e olha que aqui em casa quase só se assite a Globo. O não-agendamento da Globo, ao menos empiricamente, aqui na minha casa, deu certo!!!

Diego S. Mendes disse...

Grande Rogério, super pertinente tua postagem. Veja essa notícia, a Record começa a fazer barulho nas redes sociais alfinetando a Globo, pois o silêncio da emissora impacta também na audiência nos demais canais.