“Se para
bom entendedor, meia palavra basta", é melhor ficar calado.
Na Rede Globo, emissora considerada a segunda maior rede de TV
comercial do mundo, não houve contagem regressiva. A peregrinação
da tocha, grande evento propagandístico a circular pelo mundo, foi
ignorada neste ciclo olímpico (sim, ela rodou novamente o mundo: até
o próximo dia 27 de julho, terá passado pela mão de 8000 pessoas
durante 70 dias de percurso).
A dois dias da sua abertura oficial, os Jogos Olímpicos de Londres
2012 (JO 2012) começam hoje, com o início do torneio de futebol
feminino e o primeiro jogo da seleção brasileira que tem em Marta,
5 vezes eleita a melhor jogadora do mundo na modalidade, seu
principal ícone. Ainda assim, o megaevento esportivo passou
despercebido no primeiro telejornal de cobertura nacional da grade
diária da Rede Globo, o Bom Dia Brasil.
Um importante foco para análises decorre do fato da Rede Globo ter
perdido a disputa pela aquisição dos direitos dos JO 2012 para a
rival Rede Record, única emissora aberta de televisão que
transmitirá o evento no Brasil. A disputa entre as redes não é
nova e envolve, para além dos altos investimentos concentrados
sobretudo no tripé esportes, jornalismo e telenovelas, sérias
acusações mútuas (1). De um lado, a Record acusa a Globo de práticas
que mantém um oligopólio sobre o setor e de relações ilícitas
com a CBF e dirigentes de clubes de futebol brasileiros. Do outro, a
Globo há tempos denuncia o financiamento da Record via Igreja
Universal do Reino de Deus, ação que teria possibilitado a compra
dos direitos de transmissão dos JO 2012 por cerca de 60 milhões de
reais, dobro do valor de mercado inicialmente previsto para a
negociação.
Teremos nas próximas semanas um privilegiado campo para observar, no
âmbito da mídia esportiva, como se comportam a produção e
veiculação da informação. Diante deste panorama de disputas
comerciais que giram em torno de um dos maiores eventos esportivos e,
consequentemente, econômicos do mundo, está em pauta a discussão
da função pública do jornalismo, sua tão cara – e ao mesmo
tempo frágil – relação com a objetividade, a imparcialidade, a
relevância social (2).
Ao reagir à perda dos direitos de transmissão dos JO 2012 com um
semi silêncio que parece visar diminuir a importância
do megaevento nos seus telejornais, a Rede Globo explicita o que há
muito já se sabe: para as redes privadas de comunicação,
jornalismo não é serviço público, notícia é produto vendível, mercadoria.
É seguindo essa mesma lógica que os noticiários esportivos se
aproximam cada vez mais de uma formatação espetacularizada. No meio
da suposta conexão que deveria existir entre realidade social e
realidade midiática, estão escancarados critérios de
noticiabilidade que envolvem potenciais de vendas e disputas
comerciais. E viva a indústria do entretenimento*.
* No dia em que começam os Jogos Olímpicos de Londres 2012, o destaque esportivo do Bom Dia Brasil foi o Tospericargerja, homem que recebeu o nome exótico em homenagem aos ídolos da Copa do Mundo de Futebol de 1970...
(2) Sobre a função pública do jornalista, ver o artigo "A função pública do jornalista: da imparcialidade à coesão social", de Mariano Ure, publicado na Revista Estudos em Jornalismo e Mídia.
4 comentários:
Belo post Rogério, ao ler o texto lembrei de uma matéria vista de relance na internet, sobre a cobertura de Campeonato de Sumô e competição de Skate no Globo Esporte de terça. Isso, para não falar de Londres. Me atrevo a complementar "Pra não dizer que não falei de esporte, cubro justamente modalidades que não são olímpicas" eis a Globo. Incrível, é uma quase mudez, mas bem registrada por jornalistas em geral e internautas que estão acompanhando a "atitude
de empresa pequena da Globo", como descreve um internauta em seu comentário sobre a falta de notícias sobre as Olimpiadas na Rede. Continuemos...os jogos estão à porta...
E a quebra do silencio se faz no início da tarde desta quarta-feira (25), Tiago Leifert informou aos espectadores do "Globo Esporte", em São Paulo, que a emissora não detém os direitos de transmissão dos Jogos, mas que não deixará de noticiar o que for importante. Pois é Rogério, agora sem meias palavras ou semi silencio, senão quem cala consente e aí a consciência fica pesada. Mas será mesmo?
Rogério, legal voltar a ver tuas interessantes postagens aqui... ainda mais nesta época de Olimpíadas!
É triste ver a Globo agindo desse jeito. Me lembro de, ainda bem criança, com seis anos, em 1984 (Los Angeles) e depois em 1988 (Seul), assistir aos jogos das olimpíadas ao lado de minha mãe... aprendi a acompanhar vôlei assim. Agora há pouco, assistindo tevê ao lado dela, vi uma reportagem na internet e comentei "poxa, começaram as Olimpíadas... e o Brasil já ganhou por 5 x 0 no futebol feminino". Minha mãe me olhou e disse: "Meu Deus...já Olimpíadas? nem sabia" - e olha que aqui em casa quase só se assite a Globo. O não-agendamento da Globo, ao menos empiricamente, aqui na minha casa, deu certo!!!
Grande Rogério, super pertinente tua postagem. Veja essa notícia, a Record começa a fazer barulho nas redes sociais alfinetando a Globo, pois o silêncio da emissora impacta também na audiência nos demais canais.
Postar um comentário